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Lançar um desafio a três partidos para, numa semana, estabelecerem um compromisso de médio prazo sobre o controlo da dívida e do défice, a reforma do Estado, e as retomas do crescimento e do emprego – ou seja, para numa semana fazerem o que não foi feito em décadas – é surreal. Acrescentar que isso é tecnicamente muito fácil de executar é menos que sério e irresponsável: é brincadeira de mau gosto!
Admitir que, cortar um ano de mandato a um governo de coligação, já desfeito, é abrir caminho para que os partidos da coligação consensualizem um compromisso, seja ele qual for, é inverosímil. Esperar que os dois partidos que no regime disputam e dividem o poder há quatro décadas, numa altura destas, aceitem seriamente qualquer compromisso de médio prazo a um ano de eleições, é de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer. Pensar que António José Seguro seria líder para estas andanças, é ignorância profunda.
Não havia uma única razão que emprestasse o mínimo de consistência ao seu desafio para a salvação nacional!
Quer isto dizer que Cavaco, o mais antigo político em funções, o de maior experiência política e de exercício do poder, que esteve em todos os rompimentos de todas – repito, de todas, porque até na última ele interveio, com a tal estória da lei de Gresham (a má moeda expulsa a boa) - as coligações ensaiadas pelo regime, indiscutivelmente o mais calculista de todos os políticos que o país conhece e conheceu, pode ser menosprezado ao ponto de lhe atribuir tantos e tão grosseiros erros numa única iniciativa?
Não. Claro que não!
Cavaco sabia bem que o que estava a fazer. Sabia que estava a lançar mais achas para a fogueira da crise, e a acentuar as dificuldades do país. Sabia que aquilo não ia dar em nada. Não era atrás da salvação nacional que corria, ele corria atrás da sua própria salvação!
Depois de um longo período em hibernação política, tinha-se deixado aprisionar pelo governo. Há muito que era refém de Passos e Gaspar. A demissão de Vítor Gaspar abriu-lhe a porta da cela e a revogada irrevogável decisão de Portas deixou-lhe a porta aberta, mas agora sem carcereiro por perto.
Abandonado o cárcere, Cavaco precisava de reunir as tropas, desmobilizadas por tanto tempo de hibernação e de sequestro. E esta era sem dúvida não "a solução que melhor serve o interesse nacional", como hoje referiu, mas a melhor solução para voltar a montar a sua máquina. Daí que logo na altura eu lhe tenha chamado prova de vida, a fazer lembrar as aparições de Cristo aos apóstolos, depois da ressurreição.
E foi ver como a estratégia foi eficaz e certeira. A máquina cavaquista ergueu-se rapidamente, deu resposta pronta e, em poucos dias, estava reabilitado um presidente que, dias antes, não passava de uma múmia. O país estava suspenso de negociações em que inguém negociava nada, e toda a gente fazia que dialogava sobre qualquer coisa. Que ninguém sabia o quê!
Correu tudo bem, tudo como previsto, ou melhor ainda... De todo o lado surgiam apoios e até a esquerda dava uma ajuda. Soares, então...
Não podia correr melhor … Deu até para uma escapadinha às Selvagens, a rir de tudo e de todos, e para, aí, voltar às suas deprimentes preciosidades. Desta vez as cagarras, depois das anonas, das vaquinhas e dos milagres de Fátima …
E agora, que tudo fica na mesma como se nada se tivesse passado, “o governo continua em funções com garantias reforçadas de coesão e solidez”, valendo-se da moção de censura da passada quinta-feira. E da esperada moção de confiança que o governo vai agora apresentar mas que foi ele próprio a anunciar.
Maior cinismo é impossível!
Não tenho qualquer dúvida que, no meio deste pantanal de hipocrisia, as eleições antecipadas eram a pior coisa que podia acontecer ao país. À excepção de todas as outras, como diria Churchil…
Terminou, na mesma forma desastrada e lamentável com que começou, a absurda e irresponsável iniciativa que o Presidente da República lançou e a que chamou compromisso de salvação nacional.
O presidente anunciou esta sua lamentável iniciativa, recorde-se, aos portugueses através de uma indecifrável comunicação ao país, depois de uma semana de reuniões com os partidos políticos. Não é sequer nessa forma rebuscada, obscura e ambígua de comunicar, que está o mal maior. O mal maior foi justamente não ter sequer manifestado a sua intenção nesses contactos com os partidos. Foi apanhá-los de surpresa, quando lhes devia ter previamente apalpado o pulso. Foi faltar-lhes ao respeito – mesmo por pouco que seja o respeito que merecem – e foi prescindir da oportunidade de, atempadamente, avaliar as probabilidades de sucesso da iniciativa que preparava.
O líder do PS, entalado e apertado por todos os lados, como facilmente se percebia desde o primeiro momento, sentiu-se tão aliviado com o rompimento das negociações que não resistiu a correr a comunicá-la ao país, em vez de a comunicar ao presidente, a quem, evidentemente, caberia tal incumbência. Teria de ser o presidente a dizer ao país que os partidos não chegaram a qualquer acordo e que a sua iniciativa falhara. E teria de ser Cavaco a interpretar esse desfecho à luz da comunicação que fizera quando a lançara!
Estes não são aspectos meramente formais. São institucionais e políticos!
E, claro, agora tudo está bem pior, como desde sempre se sabia que iria ficar. Mas a isso voltarei mais tarde...
Os deputados do PSD e do CDS estão de pé em aplausos exuberantes pelo chumbo da moção de censura. Não devem ter reparado que o ministro Álvaro Santos Pereira abandonou a bancada do governo quando Paulo Portas começou o seu discurso de encerramento. E que regressou mal ele terminou, para que não ficassem dúvidas…
Uns riam, outros sorriam, mas ninguém escondia ar de felicidade e boa disposição. Não seria certamente pela rápida e apressada debandada dos deputados socialistas. Nem todos, alguns tinham mais pressa e saíram até mais cedo, ainda antes da votação. Aquela pressa toda era para se despacharem para a negociação da salvação nacional…
Deveria ser pelo discurso do ex-ex-ministro dos negócios estrangeiros, que não se cansou de falar em estabilidade política… Do que Seguro disse é que não riam. De certeza!
Primeiro foi a iniciativa do presidente, com o tal compromisso de salvação nacional. Depois veio a moção de censura do PC – via Verdes – ao governo. Depois a proposta do Bloco.
Primeiro, o PS ainda começou por dizer que, negociações, só se estendessem aos restantes partidos com assento parlamentar. Mas depressa deixou cair aquilo que seria a sua primeira bóia!
A seguir pareceu-lhe que com uma mão lavava a outra. Que, votando a moção de censura - quando tinha tanta escapatória -, apagava o mergulho de cabeça nas negociações. E lá veio Zorrinho dizer que o PS estava a negociar com o PSD e o CDS – que só se faziam representar por membros do governo -, e não com o governo, que ia censurar.
E depois, quando o Bloco publicamente lhe propõe negociações, bateu-lhe o pé. Enxotou-o para longe, que com eles não queria nada…
É evidente que o PS está encurralado, que está entalado por todos os lados. Incluindo o lado de dentro... Mas Zorrinho diz que não, que isto reforça a centralidade do partido. Não acredito que o António José esteja tão Seguro disso…
À medida que se replicam as reuniões entre os três partidos do arco da governação cresce a excitação em todo o país. Visitam-se uns aos outros a um ritmo diário, e isso é suficiente para que a nação acredite na coisa.
Sucedem-se as figuras do Estado a manifestar a sua fé no sucesso da corajosa e ousada iniciativa presidencial, enquanto exibem – também eles - fatias de soberania nacional que guardam nas mãos. Muitas delas nem fazíamos ideia que existissem… As da sociedade civil, daquela que se confunde e mistura com o Estado, não lhe ficam atrás. E rapidamente passaram das manifestações de fé à exigência!
Já não lhes basta declararem-se crentes da coisa. Exigem a coisa, e depressa. Viram costas e, em subliminar tom ameaçador, deixam cair: “Vá lá, entendam-se para aí que a gente espera aqui um bocadinho…”
- “Mas não demorem muito. As Selvagens são já aqui, e o presidente só dorme lá uma noite”!
E pronto, amanhã já haverá acordo para a coisa. Mesmo que ninguém saiba o que é a coisa, nem o que fazer com ela…
E lá andam eles às voltas com o compromisso de salvação nacional. Ou a fazer de conta…porque aquilo é a quadratura do círculo!
O PC, através do outro braço parlamentar de que dispõe – é pouco democrática, e altamente contestável, esta estratégia do PC que assegura um grupo parlamentar a um partido que nunca foi a votos e, com isso, apresenta-se no parlamento com dois grupos parlamentares – lançou a casca de banana ao PS, com a moção de censura dos ditos Verdes. E o PS escorregou… e estatelou-se ao comprido, ficando a negociar o compromisso ao mesmo tempo que vota a moção de censura.
Carlos Zorrinho ainda veio mandar areia para os olhos. Que o PS estava a censurar o governo e a negociar com os partidos do governo. Que o governo é uma coisa, os partidos que o suportam, outra!
Os partidos da coligação resmungaram. O PSD acusou mesmo o PS de estar a fazer de conta. Podiam ter ficado por aí. Mas não, mandaram logo para a reunião apenas gente do governo: Motas Soares, Carlos Moedas, Poiares Maduro e Moreira da Silva. Jorge Moreira da Silva que também é do governo, daquele que está à espera que Cavaco lhe dê posse. Todos os outros são membros do governo que Cavaco deixou ficar. E Carlos Moedas e Poiares Maduro são apenas da área política do PSD, gente da confiança de Passos Coelho, que nem sequer está filiada no partido.
Pois! Continuem a divertir-se…