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Ler nas Entrelinhas

por Cristina Torrão, em 28.03.12

A conhecida editora Maria do Rosário Pedreira acusou-me de não saber ler nas entrelinhas. Tudo por causa de um post de sua autoria, que, a certa altura, dizia o seguinte:

 

«que a família não tinha hábitos de leitura, embora comprasse livros do Círculo de Leitores para decorar as estantes. E aqui acrescentou um detalhe fabuloso: que o pai uma vez lhe bateu por ele ter retirado o celofane que cobria um volume de uma dessas colecções (e, violência à parte, vejo nesse acto um respeito enorme pelo livro, que não se podia estragar de maneira nenhuma)».

 

Isto deixou-me desconcertada. Como pode a Dra. Maria do Rosário Pedreira classificar um acto destes de «respeito enorme pelo livro»? Então os livros são para enfeitar, ou para ler? Abri a janela dos comentários para pedir explicações: «Não percebi bem se está a ser irónica ao ver nesse episódio do celofane um acto de respeito pelo livro que não se podia estragar de maneira nenhuma.»

 

Resposta: «Não, não estava a ser irónica. Porque para certas pessoas que quase não sabiam ler o livro era sagrado e tocar-lhe poderia ser interpretado como profanação.»

 

Seguiu-se uma troca de impressões sobre analfabetos que sentem respeito pelo livro, de que só me apercebi mais tarde e, apanhada de surpresa, comentei: «Mas quem é que disse que o senhor era analfabeto? O post não é claro quanto a isso! Só diz que um pai bateu no filho, por ele tentar tirar o celofane do livro, pois o livro servia de decoração. Deve-se depreender daí que o senhor era analfabeto?»

 

E, nesta sequência, atrevi-me (ó, injúria; ó sacrilégio) a chamar a atenção da famosa editora: «Então, devia ter-se explicado melhor. Dizer que "a família não tinha hábitos de leitura" não é a mesma coisa que dizer que era analfabeta».

 

A famosa editora passou-me um atestado de ignorância: «Quem lê nas entrelinhas não precisa que lhe expliquem tudo, lamento».

 

Não desarmei: «Nada aqui refere o facto de o pai ser analfabeto, pode-se interpretar para o outro lado: que compravam os livros, apenas para enfeitar a estante, apesar de saberem ler».

 

Houve, então, um senhor Anónimo que resolveu engraçar com a minha arte interpretativa: «Afinal não gosta só de interpretar, também gosta de distorcer. Bravo!» E presenteou-me com o mimo: «Sábia interpretativa».

 

Dei comigo a pensar: eu não acredito! Estou aqui num blogue de uma grande editora, onde se fala sobre literatura e não se aceita uma interpretação diferente de um texto? Então, uma das qualidades da literatura não consta das diferentes interpretações que permite? Ou isso não é válido para editoras famosas?

 

Mas o melhor estava para vir: o Sr. Anónimo acusou-me de «ler demasiado nas entrelinhas»!

 

OK, estamos conversados!

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